sábado, 31 de outubro de 2015

A História do Círio de Nossa Senhora da Conceição

O círio revela a cultura, anseio e aspirações do povo abaetetubense.

A festa atualiza o mito de fundação do culto e da festividade de Nossa Senhora da Conceição, principalmente ao reviver os passos percorridos durante mais de um século, e define o evento como a mais forte manifestação da identidade abaetetubense.

(Por Albertino Lobato)

Contar a História do Círio de Nossa Senhora da Conceição é contar, também a origem do Município de Abaetetuba.

Não há dúvida de que o distrito de Beja foi o berço da colonização do Município de Abaetetuba. Abaeté surgiu quase um século depois. O pequeno aglomerado foi chamado de Samaúma e, mais tarde, batizado de São Miguel de Beja por FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO, aproximadamente em 1630. o povoado foi criado pelos índios Motiguar, que eram de origem Marajoara, de natureza migratória, que em certa época cruzaram a Baia de Marajó para se estabelecer em Conde, (Vila Motiguár) no Rio Pará. Os primeiro relatos sobre Beja foram feitos pelos Padres Capuchos do Una, em 1635, após percorrerem os rios da Amazônia.
              O Aglomerado de Abaeté já existia, sim, como uma pequena tribo. Seu encarregado era o Padre Alemão ALUÍSIO CONRADO PFEIL que catequizou os índios Abaetés. Em 1653, os padres capuchos foram substituídos pelos jesuítas. O Padre Pfeil uniu os aglomerados e solicitou aos seus superiores a elevação do povoado à categoria de freguesia, no que foi atendido. A história tradicional de Abaetetuba conta que em 08 de dezembro de 1724, viajando de Belém do Pará à sua sesmaria, FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO foi acossado por violenta tempestade, que o desviou da rota estabelecida. O dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição, levou o sesmeiro a pedir sua proteção para si e para os seus, em troca do que, ergueria no porto seguro em que viesse aportar, uma capela à santa. Assim, FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO cumpriu a promessa. Construiu uma modesta capela em madeira de lei para Nossa Senhora da Conceição. A pequena casa de oração foi construída à margem do Rio Maratauíra, onde fica atualmente o Cruzeiro, na Avenida Pedro Rodrigues. FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO era português que chegou ao Pará em 1712. Veio como proprietário de uma sesmaria – área de terra virgem cedido a quem se dispusesse a cultivá-la e colonizá-la. A sesmaria de FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO ficava às margens do Rio Jarumã. FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO mandou esculpir em Portugal uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, a imagem que é atualmente venerada por todos os católicos da cidade. Essa imagem é de cedro mogno, pesa 18 quilos, com 1,10cm de altura, por 96cm de busto. A imagem esculpida em cedro é um modelo ainda medieval, pois o protótipo é de uma mulher de meia idade e não a de uma jovem. Ressalta-se que FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO adquiriu a área de terra de Abaetetuba junto à Coroa Portuguesa e doou para os habitantes do lugar. Talvez, por isso, Abaetetuba é um dos menores municípios do Pará e um dos poucos do Brasil a ser instituído pela fé e devoção.
              Abaeté passou a ser distrito oficialmente em 1750. Com o passar do tempo, em 1773, o povo do lugar, liderado por um Marajoara, de nome MANUEL DA SILVA RAPOSO, começou a construir uma nova capela para Nossa Senhora da Conceição. A antiga igrejinha, a de FRANCISCO AZEVEDO MONTEIRO, servia mais como capela Mortuária, pois às suas proximidades ficava o cemitério de Nossa Senhora da Conceição, que surgira logo após a construção da primeira igreja. A nova capela ficava na Passagem Conceição (hoje João Pedro Rodrigues com a Getúlio Vargas). A partir de 1773, a vila começou a receber a visita mais assídua de Padres que, com os constantes encontros com a comunidade, fundaram, em 1779, a 1ª Paróquia de Abaeté. Na Festa de Nossa Senhora da Conceição de 1785 houve uma novidade: a nova capela. A casa de oração era pequena, mas em concreto e bonita. Sua inauguração ocorreu no dia 12 de julho de 1785 e contou com a presença do Sexto Bispo do Pará DOM FREI CAETANO BRANDÃO.
              As questões religiosas de Abaeté dependiam muito das causas políticas. Muitas vezes a história da religiosidade ficava ofuscada pelas pretensões políticas. Era o caso, por exemplo, da Cabanagem. Consta que no ano de 1835, houve uma tentativa de invasão no Vilarejo, que foi heroicamente defendida pelo TENENTE CORONEL FRANCISCO ANTÔNIO COSTA e parte do povo. Nessa época, já havia Padre em Abaeté. Desde de 1821 fixou residência no lugar o Padre JACOB CORDEIRO DE MIRANDA. Outro ano de destaque foi o de 1839 quando a Vila de Beja passou a ser incorporada a freguesia de Abaeté.
              Em 1875 a Vila de Nossa Senhora da Conceição de Abaeté crescera. A comunidade, já organizada, reúne-se constantemente. Surgem novas travessas, como, a Travessa Nova do então novo cemitério de Nossa Senhora da Conceição. Em 1877, Abaeté passara a ser anexado ao território de Belém, obtendo sua autonomia em 1880, quando o então Presidente da Província do Grão-Pará JOSÉ ARAÚJO DANIN, instituiu legalmente a Vila de Nossa Senhora da Conceição de Abaeté. Um ano antes, 1879, Abaeté já contava com o 1º Pároco. Tratava-se do Padre ANTÔNIO JOSÉ BENTES.
              A festividade de 1880 teve um fato novo. Pela primeira vez se pôde contar com o acompanhamento musical. É que no dia 25 de abril daquele ano, o Maestro ERMÍRIO PAUXIS fundou a Banda Musical CARLOS GOMES. Em janeiro de 1881, foi instituída a 1ª Câmara de Abaeté. No ano de 1888, o povo católico do lugar inaugurava a Igreja de São Miguel de Beja, que teve sua construção iniciada há quase um século antes. Quem celebrou a 1ª missa da Igreja de São Miguel foi o Padre FRANCISCO PIMENTEL. Em 15 de agosto de 1895, Abaetetuba era levada à categoria de cidade.
              Com o passar do tempo a cidade de Abaeté continuou desenvolvendo-se. No dia 02 de abril de 1902 foi inaugurado o 1º Grupo Escolar de Abaeté. A Escola funcionou na Passagem Nossa Senhora da Conceição (Pedro Rodrigues, onde fica hoje Fazenda Estadual). Seu primeiro diretor foi o professor BERNARDINO PEREIRA DE BARROS, que há um ano antes havia se formado no Curso Normal do Instituto de Educação do Pará – IEP.
              O 1º Círio oficial de Nossa Senhora da Conceição aconteceu no dia 08 de dezembro de 1912. Já nesse ano a Santa ficava na Capela do Divino Espírito Santo, a 1ª Igreja construída em Abaetetuba. A Igreja foi edificada como pagamento de uma promessa feita pelo Senhor DIOGO DE CARVALHO. A nova igreja ficava na Travessa Nova, que dava acesso ao Cemitério de Nossa Senhora da Conceição (a Igreja ficava na Pedro Pinheiro Paes, onde fica hoje o Prédio do Café Abaeté). No Círio de 1912, a diferença se fez sentir: a procissão foi realizada pela manhã e não à noite, saiu da Igreja do Divino Espírito Santo, ganhou a Travessa Nova, foi pela Silva Jardim (hoje Luiz Varela, a 1ª Rua da Cidade), contornou pelo espaço aberto (hoje Praça da Conceição) e retornou pela Torquato Barros (hoje Barão do Rio Branco). Houve uma enchente de Embarcações vindas de diversos lugares. Centenas de fiéis participaram do evento, com fogos, banda de música e o traje a rigor para saudar a Padroeira no dia consagrado a ela. A partir desse ano, a Santa passou a ser “guardada” na Igreja do Divino Espírito Santo, no lugar que a partir dos anos 30 passou a ser chamado de Jardim Presidente Getúlio Vargas, hoje Praça Francisco Azevedo Monteiro.
              No ano de 1932, foi instituído a primeira Comissão Executiva para a construção de uma nova igreja para a Padroeira da Cidade. Faziam parte dessa Comissão os senhores: Joaquim Mendes Contente, Prudente de Araújo, Oscar Solano, entre outros. No centro da cidade de Abaeté, naquele ano, já existia a Praça Augusto Montenegro. Um espaço aberto que ligava a Bom Jardim à Rua Torquato Barros (hoje Praça de Conceição). A área, que na época media 250m², foi doado pelo Governador Augusto Montenegro. No dia 27 de maio de 1933, foi instalada a Pedra Inaugural do Novo Templo. No dia 11 de agosto daquele ano o Padre INÁCIO MAGALHÃES, pároco da época, registrou o imóvel na Comarca de Igarapé-Miri, através do Protocolo nº 109, livro de imóveis nº 1, página 106. Meses depois o Padre JOSÉ MARIA DE MANAUS, fazia o registro geral da área de 11.531,25m², contando dessa vez com mais “um pedaço de terra” cedido pelo senhor Joaquim Mendes Contente. A construção da Catedral de Nossa Senhora da Conceição durou 7 anos, divididos em duas fases distintas. A primeira de 1933 a 1936 e a segunda de 1936 a 1939. A igreja, que começou a receber os fiéis desde 1935, foi reinaugurada no dia 28 de novembro de 1939. Ressalta-se que foi na Missa da Festividade de 1935 que foi entoado pela 1ª vez o Hino “Mater Puríssima”, versos do poeta Bruno de Menezes e do Maestro Abaetetubense Oscar Santos. A execução do Hino comoveu a todos os fiéis.
              Sob o piso da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, existe enterrada uma garrafa hermeticamente lacrada, contendo o nome das pessoas que mais trabalharam para a construção do templo. São estes os nomes: Padre Inácio Magalhães, Bernardino Mendes, Raimundo Viégas, José Pinheiro Baia, José Ferreira, Joaquim Mendes Contente, Humberto Parente, Raimundo Pauxis, Oscar Solano, Raimundo Ferreira e Emiliano Pontes.
              A partir de 1935, portanto, Nossa Senhora da Conceição passou a ser venerada na Igreja Matriz, mesmo sem estar concluída, e a festividade passou a ser realizada a partir de 28 de novembro de cada ano.
              Já no Círio de 1947, Abaetetuba contava com duas bandas musicais: a Banda Musical Beneficente Carlos Gomes, a mais antiga da cidade e a Banda Virgem da Conceição, fundada naquele ano, por Francisco Margalho. Durante as festividades, após a Ladainha, o povo passeava pelo arraial sempre aos acordes das duas bandas musicais, que tinham os coretos para a execução de suas partituras. Em 1952, no período de 05 a 11 de agosto desse ano, foi construído o monumento do Cristo Crucificado.
              O Cristo é o primeiro marco do Congresso Eucarístico, obra dos Padres Franciscanos com apoio da Senhora Deolinda Carvalho Costa. No ano de 1961, a Paróquia de Abaetetuba passou a ser administrada pelos Padres Xaverianos. Chegaram à nossa cidade nesse ano os Padres Mário e, logo depois, o Padre Vicente Mitidieri. No dia 06 de maio de 1962 foi fundada a prelazia do Abaeté do Tocantins e no ano seguinte, no dia 02 de fevereiro de 1963, assumia a prelazia do 1º Bispo de Abaeté, Dom João Gazza. O evento contou com a presença do Arcebispo de Belém Dom Alberto Galdêncio Ramos.
O círio, assim, revela a cultura, anseio e aspirações do povo abaetetubense, constitui um marco essencial do que culturalmente é importante para o modo de vida regional. Atualizar o mito, lembrar os passos dessa história de fé é, também, além de ressaltar esses padrões, pôr em destaque as instâncias de identificação da nossa gente. A festa de nossa senhora da conceição é a festa de um povo que se orgulha de um compartilhamento de valores comuns, afetivos, realizados, essencializados na condição da humildade.

No de 2015, vivenciamos o 103° Círio de Nossa Senhora da Conceição. O tema central da festividade é: “Maria nos ensina a servir”. Assim, a festividade nos permite um raro momento de reflexão. Uma oportunidade singular para escutar a palavra de Deus e cumpri-la na missão da construção da Igreja que Cristo quer.

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